domingo, 19 de dezembro de 2010

A Guerra de Tróia (Parte V)

O cavalo de madeira e o fim de Tróia


Após dez anos de luta, sem que Tróia parecesse
ceder, os gregos resolveram finalmente dar o
golpe decisivo contra a cidade. Empregaram
o que seria muitas vezes reconhecido como seu
maior talento: a inteligência e a astúcia. Quem teve a
idéia decisiva foi o preferido da deusa da sabedoria,
Odisseu, ou Ulisses, um homenzinho atarracado,
dotado de uma sagacidade que o tornava
indispensável ao exército. Seguindo instruções desse
homem astucioso, Epeu construiu um grande cavalo
de madeira e em seu enorme ventre entraram os
maiores guerreiros da Grécia.

Os gregos fingiram que tinham partido de Tróia e
que finalmente retornavam para casa, cansados da
longa e inútil guerra. Na verdade, esconderam-se na
ilha de Tênedos, que ficava próxima. Antes da
partida, fizeram chegar aos troianos o rumor de que
o enorme cavalo de madeira que haviam construído
era uma oferenda à deusa Palas Atena, para que ela
assegurasse um bom retorno a todos. Aliviados, os
troianos saem dos muros que os protegiam e visitam
o campo de tantas batalhas. Diante da alegria
despreocupada dos seus, o sacerdote de Netuno,
Laocoonte, se revolta:

— Que loucura é essa, infelizes cidadãos? Acham
que os inimigos foram mesmo embora, que os dons
dos dânaos não contêm nenhuma armadilha? Temo
os gregos mesmo quando trazem presentes!
E assim dizendo atirou uma lança no cavalo, cujo
interior ressoou e pareceu soltar um gemido.

De repente se ouviu um clamor de vozes; pastores
troianos traziam para junto do rei um jovem grego
que tinham encontrado amarrado não muito longe
dali. A notícia logo se espalhou e todo mundo
acorreu para ver o rapaz e saber o que ia acontecer
com ele. Admirados, ouviram suas primeiras
palavras:

— Ai!, que resta para este infeliz? Não há lugar para
mim entre os gregos, ao passo que os troianos querem
se vingar com meu sangue!

Eram palavras entrecortadas de gemidos e
lágrimas. Atiçaram a curiosidade de todo mundo, e
talvez já começasse a nascer ali um pouco de piedade
no coração dos troianos. Todos o estimularam a dizer
quem era e o que lhe acontecera. Disse ele:

— Não negarei que sou grego; posso ser um
pobre infeliz, mas não um mentiroso. O odioso
Odisseu quis se vingar de mim, porque eu era
companheiro de Palamedes. Odisseu odiava tanto
esse homem que conseguiu fazer, através das mais
sórdidas intrigas, que os gregos o condenassem à
morte por traição. Eu fiquei indignado com o fim
daquele inocente, prometendo vingá-lo, e Odisseu
nunca me perdoou isso; pelo contrário, começou a
fazer ameaças, a tecer acusações falsas. Não
descansou enquanto não conseguiu a ajuda do
adivinho Calcas... Mas por que fico falando dessas
coisas? Se vocês consideram todos os gregos da
mesma forma, vamos, matem-me! Odisseu ficaria
bem contente com isso, e Menelau e Agamêmnon
lhes dariam uma boa recompensa...

Aquela era uma interrupção estratégica: os
troianos arderam de curiosidade para saber o que
acontecera com Sinão e que estaria fazendo o
adivinho naquela história intrigante. Assim, rogaram
que o rapaz continuasse a narrar os crimes da raça
odiada. Fingindo como sempre, Sinão prosseguiu:

— Cansados dessa guerra, os gregos muitas vezes
pensaram em ir embora, mas o mau tempo sempre os
impedia. Um vento violento varria as ondas do mar,
o céu se cobria de nuvens e trovejava espantosamente,
sobretudo depois que o cavalo de madeira
construído para a deusa Palas ficou pronto. Consultado
o oráculo de Apolo,
os deuses nos mandaram
esta mensagem horrível:
“—Com sangue se deve
buscar o retorno, sacrificando
uma alma grega!”
Ficamos todos apavorados,
perguntando-nos quem de
nós os destinos e Apolo estavam reclamando.Odisseu, então, traz o adivinho Calcas e o
obriga a dizer que os altares estavam destinando à
morte... Sinão, a mim, que aquele velhaco queria há
tanto tempo pôr a perder! Todo mundo, aliviado de
escapar à morte, aprova as palavras de Calcas. Chega
o dia do sacrifício; amarram-me e colocam fitas em
volta da minha cabeça, polvilhada com cevada e sal,
como é costume fazer com os animais oferecidos aos
deuses em sacrifício. Fugi, confesso a vocês, mas já
não tenho esperança de rever meus queridos filhos e
meu saudoso pai. Pelos deuses do alto e pelos
numes da verdade, suplico-lhes, tenham compaixão
de uma alma que suportou tamanhos sofrimentos
sem merecer!

Sinão terminou esse discurso em lágrimas,
comovendo o coração dos troianos. Por fim, com a
mesma habilidade, contou como o cavalo fora
construído para obter as boas graças de Palas Atena.

Por recomendação de Calcas, tinham feito algo
enorme, que fosse impossível de penetrar nos muros
de Tróia, afinal a posse do cavalo significaria a
proteção da deusa para seu povo. Se o recebessem na
cidade, um dia Tróia haveria de fazer uma guerra
vitoriosa aos gregos; porém, se maltratassem o dom
de Palas, grande mal adviria para o Império de
Príamo.

Mas eis que de repente um prodígio aterrador veio
perturbar a mente e o coração dos troianos ainda
mais. Quando Laoconte, que atingira com a lança o
cavalo deixado pelos gregos, estava
sacrificando um touro na praia, da
ilha de Tênedos, através das águas
tranqüilas, duas serpentes
gigantescas começaram a vir
em sua direção.

Tinham enormes anéis e seus peitos
erguidos e suas
cristas cor de sangue se sobressaíam sobre as ondas.

Faz-se um estrondo no mar espumante. E eis que logo
chegam à praia e se dirigem ao sacerdote com os
olhos ardentes injetados de sangue e fogo e vibrando
as línguas sibilantes.

A esse espetáculo horrendo, os troianos fogem
em disparada, brancos como cera. Os monstros do
mar buscam Laocoonte e envolvem em seus anéis
gigantescos o sacerdote e seus dois filhos. O pai
estava armado, mas as serpentes o prendem com nós
apertados em volta do seu corpo, impedindo
qualquer reação. Laocoonte tenta em vão afrouxar os
nós, ainda segurando nas mãos as fitas do sacrifício,
agora tingidas de sangue e do negro veneno dos
monstros. Ao mesmo tempo solta em direção aos
astros horrendos berros. Pareciam os mugidos de um
boi que foge do altar, depois que recebeu um golpe
de machadinha no pescoço não forte o bastante para
derrubá-lo em sacrifício aos deuses. Os dragões
então se dirigem ao santuário da deusa Palas e se
escondem sob o escudo aos pés da deusa.

Esse acontecimento pareceu aos troianos uma
severa advertência da deusa, afinal Palas Atena
punira com as serpentes do mar o sacerdote que tinha
atirado uma lança contra o cavalo a ela dedicado.

Mais que depressa, eles transportaram aquele objeto
gigantesco para dentro de suas muralhas. Ao som de
hinos religiosos, com festas e alegres cânticos, o
cavalo foi introduzido na cidade.

Nessa noite, enquanto os troianos dormiam, como
que sepultados no sono e no vinho, a esquadra grega
deixou Tênedos e se dirigiu a Tróia, encoberta pelas
trevas que pareciam abraçar todo o mundo,
cúmplices da estratégia de Odisseu. Sem ser visto,
Sinão caminhou até o cavalo e chamou os guerreiros
para fora. É sobre uma Tróia despreocupada e desarmada
que se precipitaria o inimigo, sedento de
vingança depois de tantos anos de luta inútil.

E aquela foi a última noite da outrora próspera
cidade asiática, vítima dos deuses, da esperteza de
um grego, de palavras e lágrimas mentirosas, mas
também da sua própria boa-fé e compaixão. Muitos
dos guerreiros gregos que praticaram naquela
ocasião toda espécie de crime seriam castigados
depois, ao passo que os troianos que conseguiram
escapar da cidade em chamas haveriam de lançar as
sementes de uma outra e muito mais poderosa Tróia,
a futura Roma, como se os deuses se divertissem em
erguer hoje às alturas da glória os que amanhã
tombariam na mais dura ruína e vice-versa. Mas essa
já é uma outra história.

Em pouco tempo, uma cidade próspera e rica
tombava em ruínas junto com seu velho rei, Príamo,
logo reduzido a um mísero corpo decapitado, sem
ninguém que lhe desse sepultura. Em pouco tempo,
toda a cidade se enchia de lágrimas de mulheres e
crianças logo escravizadas para servir aos senhores
gregos. As trevas que haviam dissimulado a
irrupção do inimigo pela cidade iluminavam-se com
o fogo de um incêndio que parecia querer durar para
todo o sempre.